por: Cinthia Rodrigues
Há
duas avaliações possíveis em relação à educação brasileira em geral. Pode-se
ressaltar os problemas apontados nos testes nacionais e a má colocação do País
nos principais rankings internacionais ou olhar pelo lado positivo, de que o
acesso à escola está perto da universalização e a comparação de índices de
qualidade dos últimos anos aponta uma trajetória de melhora. Já sobre o ensino
médio, não há opção: os dados de abandono são alarmantes e não há avanço na
qualidade na última década. Para entender por que a maioria dos jovens
brasileiros entra nesta etapa escolar, mas apenas metade permanece até o fim e
uma pequena minoria realmente aprende o que deveria, o iG Educação apresenta
esta semana uma série de reportagens
sobre o fracasso do ensino médio.
O
problema é antigo, mas torna-se mais grave e urgente. As tecnologias reduziram
os postos de trabalho mecânicos e aumentaram a exigência mínima intelectual
para os empregos. A chance de um jovem sem ensino médio ser excluído na
sociedade atual é muito maior do que há uma década, por exemplo. “Meus pais só
fizeram até a 5ª série, mas eram profissionais bem colocados no mercado. Hoje
teriam pouquíssimas e péssimas chances”, resume Wanda Engel, superintendente do
Instituto Unibanco, voltado para pesquisas educacionais.
Ao
mesmo tempo, a abundância de jovens no País está com tempo contado, segundo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). O Brasil entrou em um
momento único na história de cada País em que há mais adultos do que crianças e
idosos. Os especialistas chamam o fenômeno de bônus demográfico, pelo benefício
que traz para a economia. Para os educadores, isso significa que daqui para
frente haverá menos crianças e adolescentes para educar.
“É
agora ou nunca”, diz a doutoranda em Educação e presidente do Centro de Estudos
e Memória da Juventude, Fabiana Costa. “A fase do ensino médio é crucial para
ganhar ou perder a geração. Ali são apresentadas várias experiências aos
adolescentes. Ele pode se tornar um ótimo cidadão pelas décadas de vida
produtiva que tem pela frente ou cair na marginalidade”, afirma.
História
desfavorável
O
problema do ensino médio é mais grave do que o do fundamental porque até pouco
tempo – e para muitos até agora – a etapa não era vista como essencial. A média
de escolaridade dos adultos no Brasil ainda é de 7,8 anos e só em 2009 a
constituição foi alterada para tornar obrigatórios 14 anos de estudo, somando
aos nove do ensino fundamental, dois do infantil e três do médio. O prazo para
a universalização dessa obrigatoriedade é 2016.
Por
isso, governo, ONGs e acadêmicos ainda concentram os esforços nas crianças. A
expectativa era de que os pequenos bem formados fizessem uma escola melhor
quando chegassem à adolescência, mas a melhoria no fundamental não tem se
refletido no médio.
Para o coordenador da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, a questão envolve
dinheiro. Quando o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
do Ensino Fundamental (Fundef) foi criado, em 1996, repassava a Estados e
municípios verba conforme o número de matrículas só naquela etapa. “O dinheiro
não era suficiente para investir em tudo e foi preciso escolher alguma coisa”,
diz o especialista.
A
correção foi feita em 2007, quando o “F “da sigla foi trocado por um “B”, de
Educação Básica, e os repasses de verba passaram a valer também para o ensino
médio. “Só que aí, as escolas para este público já estavam sucateadas”, lamenta
Cara.
A
diferença é percebida pelos estudantes. Douglas Henrique da Silva, de 16 anos,
estudava na municipal Guiomar Cabral, em Pirituba, zona oeste de São Paulo, até
o ano passado quando se formou no 9º ano. Conta que frequentava a sala de
informática uma vez por semana e o laboratório de ciências pelo menos uma vez
por mês.
Foto: Amana Salles/Fotoarena
À esquerda, escola municipal Guiomar Cabral e, em frente, a estadual Cândido Gomide em São Paulo: diferença que pode ser percebida por quem passa é maior para quem estuda
Em
2010, no 1º ano do ensino médio, conseguiu vaga na escola estadual Cândido
Gomide, que fica exatamente em frente à anterior. Só pelos muros de uma e
outra, qualquer pessoa que passa por ali já pode notar alguma diferença de
estrutura, mas os colegas veteranos de Douglas contam que ele vai perceber na
prática uma mudança maior.
“Aqui
nunca usam os computadores e não tem laboratório de ciências”, afirma Wilton
Garrido Medeiros, de 19 anos, que também estranhou a perda de equipamentos
quando saiu de uma escola municipal de Guarulhos, onde estudou até 2009. Agora
começa o 2º ano na estadual de Pirituba, desanimado: “Lá também tinha mais
professor, aqui muitos faltam e ninguém se dedica.”
Até
a disponibilidade de indicadores de qualidade do ensino médio é precária.
Enquanto todos os alunos do fundamental são avaliados individualmente pela
Prova Brasil desde 2005, o ensino médio continua sendo avaliado por amostragem,
o que impossibilita a implantação e o acompanhamento de metas por escola e
aluno e um bom planejamento do aprendizado.
A
amostra, no entanto, é suficiente para produzir o Índice da Educação Básica
(Ideb), em que a etapa é a que tem pior conceito das avaliadas pelo Ministério
da Educação. Foi assim desde a primeira edição em 2005, quando o ensino médio
ficou com nota 3,4; a 8ª série, 3,5; e a 4ª série, 3,8; em uma escala de zero a
10. Se no ensino fundamental ocorreu uma melhora e em 2009 o conceito subiu,
respectivamente, para 4 e 4,6, os adolescentes do ensino médio não conseguiram
passar de 3,6.
“A
etapa falha na escolha do conteúdo, que não é atrativo para o estudante, e
também não consegue êxito no ensino do que se propõe a ensinar”, diz Mateus
Prado, presidente do Instituto Henfil e colunista do iG que escreverá artigos
especialmente para esta série, que durante os próximos dias conduzirá o leitor
a conhecer o tamanho do problema e refletir sobre possíveis soluções.
Fonte:
http://ultimosegundo.ig.com.br/educacao/ensino+medio+a+pior+etapa+da+educacao+do+brasil/n1238031482488.html