Por: Sara Magalona e Tamara Fisch
Fotos: Julia Rodrigues
O garçom do bar no Baixo Augusta, em São Paulo, estava plantado ao lado dela, atento a cada palavra. Tímido, pediu desculpas ao interromper a conversa quando ela falava de fetiches. Na mesa ao lado, homens sóbrios de terno e gravata olhavam as pernas nuas de Lola Benvenutti. O rabo de cavalo e o short curto exibiam a juventude dos seus 22 anos. As palavras denotavam a experiência.
Garota de programa desde quando cursava
letras na Universidade Federal de São Carlos, no interior de São Paulo, Lola
poderia ser a Lolita de Nabokov, uma amante de Bukowski, ou personagem de
Almodóvar, ou ainda Diadorim vestida de jagunço em Grande Sertão: Veredas. É
uma leitora compulsiva e abriga ao mesmo tempo a delicadeza e o impulso
dominador da sadomasoquista.
Tatuada na sua pele clara estão seus
mestres. “Dizer insistentemente que fazia sol lá fora”, recita Manuel Bandeira
nos ombros. No braço, Guimarães Rosa sentencia: “Digo: o real não está na saída
nem na chegada. Ele se dispõe para a gente no meio da travessia”.
Lola também é escritora e ativista. O
primeiro livro será lançado este ano sobre a trajetória, as descobertas e o dia
a dia com os clientes. Ela também resenha livros eróticos para a Companhia das
Letras. E tem feito aulas de pós-graduação e se prepara para o mestrado no qual
pretende estudar a prostituição nos mais variados ambientes, das ruas
aos hotéis de luxo. Seu objetivo é ser uma voz esclarecedora em meio a tanto
preconceito.
Um detalhe importante: já namorou sério
enquanto trabalhava (o namorado era cliente antes). Ela diz que jamais
esconderia o trabalho de alguém e não o largaria por homem nenhum.
Quais são os seus autores e livros
eróticos favoritos?
Eu gosto do Henry Miller, da Hilda
Hilst… Tem um livro muito bom do John Cleland chamado Fanny Hill sobre uma órfã
de 15 anos que vai para Londres e acaba se tornando garota de programa. O
escândalo desse romance para a época [o livro foi publicado em 1748] é que ela
retrata isso sem culpa. Um livro mais atual é o Pagando por Sexo, do Chester
Brown. É uma história em quadrinho que conta as experiências do autor com
garotas de programa.
Qual é o livro mais excitante que você
já leu?
Sou suspeita para falar, mas Lolita, do
Vladimir Nabokov, foi o livro que me inspirou. Acho que por trazer essa
coisa do proibido, assim como O Diário de Lori Lamby, da Hilda Hilst, que
trata da menina que está perdendo a inocência. Eu gosto muito dessa coisa da
fantasia, que você não vê em filme pornô. É um assunto proibido, que envolve a
garota que se transforma em mulher.
E o filme mais excitante que você já
viu?
Dos mais recentes, eu gostei muito de
Ninfomaníaca. Também de Jovem e Bela, que é a história de uma prostituta
francesa. Gosto desses filmes porque retratam situações que têm a ver com a
minha.
Como você usa a tecnologia no seu
trabalho?
A internet, para mim, foi o meio onde
tudo começou. Todos os meus agendamentos são feitos pelo site, e o YouTube, o
Instagram, todas as redes sociais acabam sendo uma promoção da Lola, o que se
reverte em clientes. Eu já aceito cartão, parcelo em duas vezes – acho que sou
a única que faz isso – e tenho pensado em aceitar bitcoin. Cada vez mais a
tecnologia está a meu favor, no sentido de não ter que ficar na rua ou na boate
para conseguir clientes. Eu tenho que perceber o que a clientela quer e o que o
mercado exige.
É uma mescla de várias coisas. É
difícil, porque o feed não pode ser em uma linguagem muito erudita, mas na
faculdade eu estudei os clássicos. Há quem me questione sobre o jeito que eu
escrevo “para alguém que fez letras”. Eu não posso fazer um tratado erótico.
O jeito como você escreve o feed tem
algum elemento ficcional?
Lógico, o feed tem que ser inebriante,
porque é ali que eu ganho meu cliente. Às vezes, aquilo está muito mais
elaborado, sou eu colocando minhas impressões. É uma questão subjetiva, como
tudo na escrita. Por existir o trabalho de atrair o leitor e tornar aquilo
instigante, o texto acaba tendo alguns elementos ficcionais, mas em essência é
tudo realidade.
Você tende a fazer mais feeds positivos
ou negativos?
É mais raro ser ruim. Eu procuro falar a
verdade, mas é claro que eu não posso acabar com a pessoa, porque é o meu
trabalho. Se eu falar muito mal do cara, ele vai ficar com tanta vergonha que
nunca mais vai voltar, e isso também é ofensivo. Uma vez, em um feed, eu disse
algo como “podia ter chupado uma balinha…”. Foi uma coisa sutil. O cara estava
com um bafo de onça, mas eu não disse isso. Achei que ele nunca mais me
ligaria, mas ligou e pediu desculpas, disse que não tinha almoçado.
Você acha que 50 Tons de Cinza é um
retrato fiel do mundo BDSM?
As pessoas que seguem a doutrina BDSM
não gostam do livro porque não o acham realista. Acho difícil escrever um livro
desse ponto de vista tão açucarado, tão romântico. As coisas se misturam e o
resultado é mais um conto de fadas moderno do que de fato uma relação BDSM. Não
é exatamente a realidade, mas tem pontos interessantes. Esse livro abriu a
cabeça de muita gente para o que é o sadomasoquismo. Embora não seja um retrato
fiel, acho que é válida a leitura para fazer as pessoas irem atrás de uma
literatura como a do Sacher-Masoch, o pioneiro do sadomasoquismo.
A trilogia 50 Tons foi muito criticada
por ser de baixa qualidade como obra literária. Você concorda com essa
avaliação?
Isso é uma discussão eterna. A qualidade
literária de um texto não é necessariamente o que faz com que ele venda. Existem
livros clássicos que são parte de uma literatura muito difícil, que exige uma
formação prévia. Agora, quando você pensa em mercado, você tem que pensar em
algo que atinja a maior parte do seu público. Se as pessoas que não têm o
costume de ler estão lendo 50 Tons de Cinza, elas podem querer outras
coisas depois.
Qual é o objeto de estudo do seu
mestrado?
Na faculdade, minha pesquisa era sobre
moda punk, então eu pensei em estudar moda e fetiche, o sexo, as roupas, o
comportamento. Mas com essa guinada que minha vida deu ouvi muita gente falar
que eu poderia ser uma voz, fazer um estudo que realmente significasse algo.
Então eu quero pesquisar sexualidade em relação à prostituição nos diferentes
meios de trabalho – boates, sites e rua. Estou procurando alguém que possa me
orientar. Eu não quero uma visão estigmatizada sobre o assunto. Ainda hoje a
prostituição é vista de forma muito preconceituosa e isso dificulta o meu
projeto de mestrado.
Você acha que a prostituição é vista
como uma “última opção”?
Existe essa ideia da prostituta como
vítima – ela não teve escolha e acabou assim. Essa imagem ainda é muito forte,
e esse é um problema grave da prostituição, no sentido de as meninas serem
marginalizadas. Muitas garotas têm filhos, torcem para achar um príncipe que as
tire da prostituição. Isso porque elas não são aceitas na sociedade, e isso as
torna tristes. Minha preocupação maior é despertar um tipo de trabalho que
possa dar um resguardo a essas meninas, mas isso é difícil por causa da pressão
social. Até os clientes são preconceituosos, acham que podem fazer tudo só
porque estão pagando. É uma relação que ainda está muito errada, e é
isso que precisa mudar, não o trabalho.
Como se comportam o homem e a mulher
quando um casal contrata você para um ménage?
Depende. Tem casais que são
muito liberais, então o cara pode transar comigo e eu interajo com ela. Às
vezes, ela concorda em fazer o ménage mas não quer que o homem interaja comigo.
Eu fico na minha, tenho que ter essa delicadeza. Tem o trabalho de deixar o
casal muito à vontade, conversar antes… É um processo delicado, mas as mulheres
estão se soltando cada vez mais.
Qual é o fetiche mais estranho que você
já viu?
Já vi um cara com fetiche de se sentir
em um ambiente em que ele vai ser abatido como um porco. A faca amolando, as
pernas amarradas… Uma vez um outro me ofereceu R$ 150 mil para fazer um filme
pornô em que eu transaria com um orangotango. Perguntei: “Um homem vestido de
orangotango?”. E ele respondeu: “Não, um orangotango de verdade”. Nem por R$ 5
milhões.
Você deixaria de trabalhar por um
namorado?
Nunca! Imagina.
Fonte: http://vip.abril.com.br/fotos/sexo/fetiche/lola-benvenutti-a-moca-das-letras-e-do-sexo-pago/#pid=41513