Por Neivor Schuck - Mestre em Ciencias da Religião PUC - SP, formado em Filosofia e Psicopedagogia (São Camilo - SP)
A formação do Brasil implica necessariamente na estruturação de nosso modelo de ensino porque desde os primeiros anos de nossa descoberta sofremos da falta de estrutura e investimento nessa área. Contudo, além do componente histórico que parece ser de comum aceitação, aparece o problema do modelo pedagógico adotado. Neste aspecto ocorre uma polarização e até uma divisão tripla se quisermos englobar a escola técnica (anos 70). Ou seja, as posturas mais adotadas em nosso país são justamente a pedagogia tradicional (método fonético) e a escola nova (construtivismo).
Segundo XAVIER de um lado está a escola tradicional, aquela que dirige que modela, que é ‘comprometida’; de outro está a escola nova, a verdadeira escola, a que não dirige, mas abre ao humano todas as suas possibilidades de ser. É portanto, ‘descompromissada’. É o produzir contra o deixar ser; é a escola escravisadora contra a escola libertadora; é o compromisso dos tradicionais que deve ceder lugar à neutralidade dos jovens educadores esclarecidos (XAVIER, 1992: 13).
Aparentemente temos a impressão de que o grande problema de nossa deficiência educacional se resume a o problema da rigidez do modelo tradicional de ensino, mas ao aprofundarmos nossa investigação constáramos que a péssima qualidade de ensino presente nas escolas do Brasil acontece devido, em parte tanto a falta de estrutura educacional adequada como pela desestruturação das poucas bases presentes na pedagogia tradicional, causada pela critica dos escolanovistas, que acreditavam piamente que puramente pela crítica se atingiria uma melhoria no aprendizado.
No entender de SAVIANI a escola tradicional procurava ensinar e transmitia conhecimento, a escola nova estava preocupada em apenas considerara o aprender a aprender. E posteriormente a escola técnica detinha-se em simplesmente considerar necessário o ensino da técnica.
Até o inicio do século XX a educação no Brasil esteve praticamente abandonada, no entender de ROMANELLI
a economia colonial brasileira fundada na grande propriedade e não na mão-de-obra escrava teve implicações de ordem social e política bastante profundas. Ela favorece o aparecimento da unidade básica do sistema de produção, de vida social e do sistema de poder representado pela família patriarcal (ROMANELLI, 2001: 33).
Assim, a educação no Brasil caminhou por veredas tortuosas desde o inicio, reservada a uma elite dominante e totalmente exploradora, sempre esteve voltada a estratificação e dominação social. Esteve arragaida por diversos séculos em nossa sociedade a concepção de dominação cultural de uma parte minúscula da mesma , configurado-se na idéia básica de que o ensino era apenas para alguns, e por isso os demais não precisariam aprender.
As oligarquias do período colonial e monárquico estavam profundamente fundamentadas na dominação via controle do saber. Outros dois fatores importantes foram o isolamento e a estratificação sociais, basicamente dual, aliada à necessidade de manutenção de um esquema de segurança (ROMANELLI, 2001: 33) configurando-se como fundamento a propriedade das terras.
Caracterizou-se nesse período colonial, bem como no monárquico, um modelo de importação de pensamento, principalmente da Europa e consequentemente a matriz de aprendizagem escolar fora introduzida no mesmo momento. Nas palavras de ROMANELLI,
foi a família patriarcal que favoreceu, pela natural receptividade, a importação de formas de pensamento e idéias dominantes na cultura medieval européia, feita através da obra dos Jesuítas”(ROMANELLI, 2001: 33).
Assim, a classe dominante tinha ser detentora dos meios de conhecimento e de ensino. Isso implicou no modelo aristocrático de vida presente em nossa sociedade colonial e posteriormente na corte de D. Pedro.
Existiram dois fatores fundamentais na formação do modelo educacional brasileiro, ou seja, “a organização social (...) e o conteúdo cultural que foi transportado para a colônia, através da formação dos padres da companhia de Jesus” ( ROMANELLI, 2001: 33).
No primeiro fator aparece com mais intensidade a predominância de uma minoria de donos de terra e senhores de engenho sobre uma massa de agregados e escravos. Apenas àqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, em número restrito, porquanto deveriam estar excluídos dessa minoria as mulheres e os filho primogênitos (ROMANELLI, 2001: 33).
Limitava-se o ensino a uma determinada classe da população, ou seja, apenas a classe dominante. Surge claramente um dos fundamentos da baixa escolaridade de nossa população e da falta de recursos para a eliminação das diferenças entre as classes.
A segunda contribuição para a formação de nosso sistema educacional deficitário é justamente o conteúdo do ensino dos Jesuíta, “caracterizado sobretudo por uma enérgica reação contra o pensamento critico” (ROMANELLI, 2001: 34), contudo, a maneira como os Jesuítas cultivavam as letras permitiu algum alvorecer em nossa literatura.
O conflito entre as diferentes posturas de ensino
A relação entre escola e democracia depende de diferentes aspectos presentes na sociedade. Contudo, parece que o problema aparece realmente nas teorias de educação. Isso se expressa pelo elevado índice de analfabetismo funcional, configurando uma marginalidade desses indivíduos analfabetos.
Deste modo, surgem duas concepções dominantes, ou seja, “temos aquelas teorias que entendem ser a educação um instrumento de qualificação social, portanto, de superação da marginalidade” (SAVIANI, 2003: 03), estas estariam enquadradas no primeiro grupo, e se chamariam não críticas.
Por outro lado, “no segundo grupo, estão as teorias que entendem ser a educação um instrumento de discriminação social, logo, um fator de marginalização” (SAVIANI, 2003: 04).
Deste modo, podemos constatar que ambos os grupos explicam a questão da marginalidade a partir de uma determinada concepção da relação entre educação e sociedade.
Assim, ambos os grupos destoam partindo de um mesmo referencial, com isso, para os não-críticos (primeiro grupo)
A sociedade é concebida como essencialmente harmoniosa, tendendo a integração de seus membros. A marginalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta individualmente um número maior ou menor de seus membros, o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que não pode como deve ser corrigida (SAVIANI, 2003: 04).
A superação dessa distorção far-se-ia por intermédio da educação. Tendo por função “reforçar os laços sociais, promover a coesão e garantir a integração de todos os indivíduos no corpo social” (SAVIANI, 2003: 04), permitindo a superação da marginalidade.
Por outro lado, os que defendem uma postura critica entendem que a sociedade como sendo essencialmente marcada pela divisão entre grupos ou classes antagônicas que se relacionam à base da força, a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de produção da vida material. Nesse quadro a marginalidade é entendida como um fenômeno inerente à própria estrutura da sociedade (SAVIANI, 2003: 04).
Assim, a educação assume um papel de produtora da marginalização, porque produz a marginalidade cultural e de maneira especifica a escolar.
No entender de SAVIANI existem três modalidades diferentes de configurar os modelos educacionais expressos pelas duas teorias expressas anteriormente, isto é, a tradicional, fundada na relação ensino aprendizagem e na relação professor aluno; a escola nova, que entende como fundamental a necessidade de aprender a aprender e na função de acompanhar o desenvolvimento individual do estudante por parte do professor; e por último aparece a concepção técnica que se funda no fazer e elimina totalmente a relação professor aluno.
Segundo SAVIANI a concepção critica não apresenta nenhuma proposta para substituir a pedagogia tradicional e por isso não permite ser pensada como uma solução do problema da relação entre escola e marginalidade social. Ao apresentar uma solução possível para a questão SAVIANI aponta para a definição de prioridades políticas fundadas no principio aristotelico de animal político, tudo englobaria o ato de educar.
Assim, a educação sempre possui uma dimensão política tenhamos ou não consciência disso, portanto assume-se um caráter educativo e político para a educação e este só cumpre seu papel quando permite a formação integral do indivíduo. Mas o desafio permanece, como podemos falar em educação global se vivemos em uma sociedade fragmentada, imbuída de diferentes conceitos de razão, educação, ética, política, marginalidade, sociedade e cultura?
No entender de SAVIANA existem onze teses acerca da educação que precisam ser consideradas como fundamentais no engajamento político. Isto é , o agir educativo sempre cumpre um papel fundamental na estruturação da sociedade. O modelo tortuoso e desorganizado de nosso sistema educacional gera aberrações como as que vemos nas instituições de ensino público superior. Ou seja, os que deveriam ter acesso a escola pública superior não conseguem e os que podem pagar adentram as portas das universidades públicas.
A teoria da complexidade e a educação contemporânea
Segundo MORIN a sociedade contemporânea possui elementos diversificados e complexos, isto significa que o ensino precisa estar atento a complexidade da vida contemporânea.
Desta forma, a incorporação dos sete saberes como fundamentos para desenvolver o homem moderno. Dentro deste cenário a sociedade se preocupa cada vez mais com a realidade escolar e com a formação dos indivíduos, sobretudo precisa-se de criatividade para mudar a realidade brasileira. Contudo, “O conhecimento disciplinar, e conseqüentemente a educação, têm priorizado a defesa de saberes concluídos, inibindo a criação de novos saberes e determinando um comportamento social a eles subordinado” (AMROSIO: 2007). Por isso a interdisciplinaridade entre os diferentes saberes seria essencial para resolver esse problema . MORIN entende que o conhecimento na complexidade é a viagem em busca de um modo de pensamento capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o mistério do real; e de saber que as determinações – cerebral, cultural, social, histórica – que impõem a todo o pensamento, co-determinam sempre o objecto de conhecimento. É isto que eu designo por pensamento complexo. (MORIN 1980: 14).
Trata-se de um pensamento desprovido de certezas e verdades científicas, que considera a diversidade e a incompatibilidade de idéias, crenças e percepções, integrando-as à sua complementaridade. “A consciência nunca tem a certeza de transpor a ambigüidade e a incerteza” (MORIN, 1973: 134). Morin refere-se ao princípio da incerteza tal como formulado por Werner Heisenberg, físico, um dos precursores da mecânica quântica. Esse princípio baseia-se na falibilidade lógica, no surgimento da contradição presente na realidade física e na indeterminabilidade da verdade científica. Assim, o conceito de lógica tradicional fundado em Aristóteles não pode mais responder aos anseios da sociedade moderna, a lógica da complexidade assume novas probabilidades e possibilidades.
Com efeito, promover, pois, a qualidade ética em educação, componente indispensável da qualidade total, e reformular o modo de se relacionar de todos os atores na escola, educadores e educandos, de acordo com as diferentes características do agir humano radicado na liberdade e voltado para o bem” (CATAO, 2005: 318).
Portanto, a complexidade como teoria de ação precisa levar em conta a ética na conduta pratica do profissional da educação.
BIBLIOGRAFIA
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