sexta-feira, 8 de março de 2013

Da Personalidade Jurídica

Um debate sobre laicidade, direitos humanos e sociais.

Por: Elenilton da Cunha Galvão




Há sempre, em qualquer ramo científico que se preze, debates que adentram campos diversificados quando procura-se soluções plausíveis sobre determinados problemas que o envolvem, todavia, as ciências jurídicas guardam especial relevo e diferimento quando ao tentar resolver suas implicações normativas leva o contexto social, nem sempre cientifico, em consideração, ou seja, a mentalidade, o "satus quo" daquele momento social, nada demais diriam alguns, este humilde blogueiro, contudo, considera que reside aí o cerne, a engrenagem, e a problemática do direito.


Não obstante da explanação que iniciaremos sobre a personalidade jurídica, faz-se mister iniciá-la pela conformação daquilo que denominamos de Estado de Direito, que é, como observa José Gomes Canotilho, um ente político-jurídico de direito interno e externo subdividido em três fatores de entendimento fundamentais para sua existência, assim, devem ser levados em consideração para reconhecermos sua existência as seguintes razões:

Juridicidade, que na seara do direito público seria a implicação da imposição normativa sobre os atos administrativos da criatura "Estado", de forma que, ultrapassando o princípio da legalidade, impõe ao mesmo funções e restrições de cunho normativo devido aos seus princípios, que diferentemente do que acontecia anteriormente não possuí aqui características meramente informativas, mas também normativas.

Constitucionalidade, que na excelente explicação do autor supracitado: "O Estado de Direito é um Estado Constitucional. Pressupõe a existência de uma constituição normativa estruturante de uma ordem jurídico-normativa fundamental vinculativa de todos os poderes públicos. A Constituição confere à ordem estadual e aos atos dos poderes públicos medida e forma. Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas - como sugeria a teoria tradicional do direito - uma simples lei incluída no sistema ou no complexo-normativo estadual. Trata-se de uma verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia - supremacia da constituição - e é nesta supremacia normativa da lei constitucional que o "primado do direito" do Estado de Direito encontra uma primeira e decisiva expressão" (Canotilho, 2003, pag. 245-246)

Os Direitos Fundamentais nascente de toda uma base antropológica-sociológica-histórica, das demandas inerentes à própria condição humana, logo, provindas de condicionamentos seculares que impediam o homem como ente jurídico (dotado de direitos) e social (dotado de deveres) de exercer sua sua vida de maneira plena, aquilo que denomina-se hodiernamente de "dignidade da pessoa humana" que como princípio está enraizados nos direitos fundamentais da Constituição do Estado de Direito, regulando e dando ordem ao máximo de atos da vida civil dos povos que constituem o Estado de maneira que assegurem sua dignidade.

A este ultimo aspecto do Estado de Direito, a dignidade da pessoa humana, daremos especial ênfase no que tratamos aqui, a personalidade jurídica, em especial , quando a adquirimos, quando nos tornamos sujeitos detentores de garantias. Minimamente, quando nos tornamos pessoas. Inicialmente recorro a algumas teorias das ciências biológicas sobre o momento que adquirimos vida, ou seja, nos tornamos entes biológicos com capacidade de desenvolvimento intelectual e social, pois, apesar de distinta do âmbito jurídico-normativo, a ciência natural é fator de luz naquilo que pretendemos alcançar que é o material que permeia a personalidade jurídica no âmbito do reconhecimento pelo Estado que o ente a partir daquele instante adquire o conjunto de princípios e normas que garantam sua dignidade enquanto SER. Por questões óbvias, enumero aqui as principais teorias:

concepcionismo: “Salienta-se que essa teoria além de ser defendida pela Igreja Católica, é adotada pelo nosso ordenamento jurídico em seu artigo 2º do Código Civil, que prescreve: “ A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”. Conclui-se que nesta teoria o embrião humano é um indivíduo em desenvolvimento, que merece o respeito e dignidade que é dado a todo homem, a partir do momento da concepção.” (SOUZA, 2008, p. 4). Aceita-se aqui a ideia de que a vida inicia-se no momento da fecundação do espermatozoide no óvulo.

Teoria da Nidação: “Defende que o embrião passaria a adquirir vida com sua implantação no útero da mulher, antes apenas havia um aglomerado de células que constituiria posteriormente os alicerces do embrião, só com a implantação que as células podem ser consideradas capazes de gerar um individuo distinto.( SOUZA, 2008, p. 5). 'Não seria viável falar de vida humana enquanto o blastócito ainda não conseguiu a nidação, o que se daria somente no sétimo dia, quando passa a ser alimentado pela mãe'.”(SCARPO, 1991, p. 42).

Corrente Genético – Desenvolvimentista: “Para esta doutrina, no início de seu desenvolvimento o ser humano passa por uma série de fases: pré-embrião, embrião e feto. Sendo que, em cada fase o novo ente em formação apresenta características diversas. Ao contrário da teoria concepcionista, para esta teoria não haveria vida humana desde a concepção e, portanto não teria o blastócito caráter humano, o ser formado com a união dos gametas, logo no início é comparável a um mero aglomerado celular.” ( SOUZA, 2008, p. 6).

Das Primeiras Atividades Cerebrais: “Diante disso, se a vida acaba quando o cérebro para, seria lícito supor que ela só começa quando o cérebro se forma. Este é o pensamento dos defensores da corrente das primeiras atividades cerebrais. Verifica-se, no entanto, que se trata de uma teoria em potencial, já que possui fundamentação científica, mas falta provas de que ali já existe vida, e não seria a formação do sistema nervoso mais uma etapa do desenvolvimento embrionário? Salienta-se que o direito brasileiro adotou esse momento para considerar alguém morto por motivação essencialmente utilitária.” ( SOUZA, 2008, p. 7).

Da Potencialidade Da Pessoa Humana: “Essa teoria classifica o embrião como ser humano desde a concepção, porém não afasta a ideia dele vir a se tornar humano, a corrente aponta ao embrião desde o primeiro momento de sua existência uma autonomia que não é “humana” nem “biológica”, e sim “embrionária”. As propriedades características da pessoa humana, ou seja, todo o material genético, já estão presentes no embrião, em estado de latência. Diante dessa assertiva, o embrião considerado como pessoa em potencial, necessita de amparo jurídico para que não seja tratado como objeto, e que lhe assegure a vida e dignidade que lhe são inerentes.” ( SOUZA, 2008, p. 7).

Corrente Natalista: “Segundo essa teoria, a personalidade da pessoa tem início a partir do nascimento com vida. O nascituro seria um ser em potencial, pois para que tenha os direitos que lhe são reservados ainda em sua existência intra-uterina, é necessário que nasça com vida. O nascituro revela-se um ser com expectativa de direitos. Para os natalistas, o nascituro não é considerado pessoa, e apenas tem, desde sua concepção, uma expectativa de direitos, tudo depende do seu nascimento com vida.” ( SOUZA, 2008, p. 8).

Diante de tantas proposituras sobre o que seria realmente o inicio da vida, e no universo jurídico o ponto de referência para o inicio da personalidade jurídica, constatamos (baseados no texto da lei que discerne sobre o caso) que duas delas parecem estar mais presentes no nosso ordenamento, a teoria concepcionista e a natalista pois as mesmas, apesar de parecerem antagônicas estão fortemente interligadas no artigo 2° do Código Civil brasileiro (lei 10.406/2002), então faz-se lógico nos enveredarmos por este caminho mais detalhadamente. O texto da lei, inclusive, assim reza:

A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Opera-se aqui uma dicotomia sobre quando a pessoa adquire direitos, já que ao anunciar que a personalidade civil, logo sua carga protetiva no âmbito da dignidade da pessoa humana humana, faz-se consistente à pessoa física somente no nascimento com vida, o legislador incorreu aparentemente à teoria natalista quando ao arguir que a vida é produto do pós-parto, post utero, coloca o leitor incauto no risco de incorrer ao erro de admitir que a vida do que entendemos como “pessoa fisíca” que segundo Teixeira de Freitas é o “ente de existência visível”, só se daria a partir daí.

Nessa linha de intelecção podemos lançar mão da fundamentação extraordinária do grande jurista Eros Grau que afirma não existir norma sem interpretação pois esta é fruto daquela, ou seja, nosso sistema jurídico pode ser carregado de textos legais com escopo normativo, mas a norma em si, só existe quando extraímos ela do texto que estamos procurando interpretar no plano formal do direito, ou seja, quando o cidadão apto de direitos (capacidade civil) invoca a materialidade que aparentemente está presente no texto adensando-se quando interpretada pelo operador em resposta jurisdicional à pessoa que solicitou. Assim, podemos discernir duas figuras lógicas e distintas na sentença apresentada na primeira parte do texto normativo da lei 10.406/02 (em azul anteriormente):

  • personalidade civil” é diferente de capacidade civil, logo, o ente, mesmo detentor de personalidade, que é, segundo a imensa maioria das teorias civilistas a aptidão genérica de contrair obrigações e titularizar direitos, por questões óbvias (já que este está dentro do abdômen da mãe) não tem capacidade e neste caso sendo tutelado.
  • nascimento com vida” não nega a existência da vida intrauterina ou a possibilidade de vida do blastócito. A vida do embrião ou do nascituro deve ser assegurada ainda que estes não sejam consideradas pessoa humanas, de forma que podem sim desfrutar de direitos inerentes ao fato de serem possuidores de vida enquanto concretizada no que a ciência entende e detentores de expectativa de exercício de direitos (plano jurídico), logo, o Estado deve assegurar os direitos inerentes à vida destes entes no que lhes couber, vale lembrar que a vida que falamos é aquela genérica, a vida comum a todos os entes sencientes do planeta. Ressalto que Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que é um tratado assinado por 24 países da América Latina no ano de 1969, dentre eles o Brasil e que estabeleceu diretrizes que reforçam o entendimento de que à partir da concepção o feto tem direitos humanos, reforçando o que dissemos anteriormente.


Ao afirmarmos que o Estado deve assegurar os direitos inerentes à vida do nascituro NO QUE LHE COUBER, materializamos a carga axiológica da segunda parte do dispositivo normativo (Art. 2°) da lei 10.406/02, que expõe:



“...mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”



É disso que se trata quando dissemos anteriormente que o entendimento jurídico brasileiro com relação à contração da vida pela pessoa humana parece fluir entre as teorias concepcionistas e natalistas pois ainda que a vida intrauterina não seja propriamente uma pessoa humana, ou detentora de capacidade de direitos, aquilo que lhe caiba deve ser assegurada como uma das funções do Estado brasileiro por razões lógicas e que na Carta Magna, através de seus princípios normativos programáticos e constitutivos o Estado brasileiro o faz ao inferir que este deve prezar por:



“Art. 1, ...  III   - a dignidade da pessoa humana;
 Art. 3º, ... IV   - promover o bem de todos,...
 Art. 4º,...  II    - prevalência dos direitos humanos;”



Acerta o legislador ao dizer que a PERSONALIDADE CIVIL (e somente esta) começa no nascimento com vida, e na segunda parte assegura direitos ao nascituro NO QUE COUBER, haja visto que torna-se imprescindível para qualquer ordenamento jurídico assegurar o direito à vida muito além de mera demagogia legislativa, mas como princípio constitutivo de qualquer sociedade ou comunidade humana, referenciando estas proposituras como fundamentos supra-constitucionais de caráter difuso, haja visto que a segurança da vida de qualquer ente biológico está diretamente ligado à emancipação jurídica, moral, cultural e além disso, entrando em questões antropológicas, a própria finalidade de uma sociedade seria o de aumentar a expectativa de vida dos seres que a compõe.

Todavia, esta parte apesar de lógica guarda uma pergunta que assombra qualquer pesquisador da assunto, admitindo-se que no ventre da mãe o ente que se encontra tem vida, quando começa a vida? Qual o limiar, o exato instante que essa aparece? Onde não há? Pois se o Estado deve assegurar os direitos dos entes vivos, seria mesmo correto afirmar que desde a concepção há vida, ou será que existe apenas capacidade de vida?

Da Questão do Aborto








Fontes:

http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1027027/codigo-civil-lei-10406-02

http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1863/1773

http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1034025/constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988










https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/download/15293/13896

file:///C:/Users/GTA02/Downloads/15293-47093-1-PB.pdf