Um debate sobre laicidade, direitos humanos e sociais.
Por: Elenilton da Cunha Galvão
Há
sempre, em qualquer ramo científico que se preze, debates que
adentram campos diversificados quando procura-se soluções
plausíveis sobre determinados problemas que o envolvem, todavia, as
ciências jurídicas guardam especial relevo e diferimento quando ao
tentar resolver suas implicações normativas leva o contexto social,
nem sempre cientifico, em consideração, ou seja, a mentalidade, o
"satus quo" daquele momento social, nada demais diriam
alguns, este humilde blogueiro, contudo, considera que reside aí o
cerne, a engrenagem, e a problemática do direito.
Não
obstante da explanação que iniciaremos sobre a personalidade
jurídica, faz-se mister iniciá-la pela conformação daquilo que
denominamos de Estado de Direito, que é, como observa
José Gomes Canotilho, um ente político-jurídico de direito interno
e externo subdividido em três fatores de entendimento fundamentais
para sua existência, assim, devem ser levados em consideração para
reconhecermos sua existência as seguintes razões:
A Juridicidade,
que na seara do direito público seria a implicação da imposição
normativa sobre os atos administrativos da criatura "Estado",
de forma que, ultrapassando o princípio da legalidade, impõe ao
mesmo funções e restrições de cunho normativo devido aos seus
princípios, que diferentemente do que acontecia anteriormente não
possuí aqui características meramente informativas, mas também
normativas.
A Constitucionalidade,
que na excelente explicação do autor supracitado: "O Estado de
Direito é um Estado Constitucional. Pressupõe a
existência de uma constituição normativa estruturante de uma
ordem jurídico-normativa fundamental vinculativa de
todos os poderes públicos. A Constituição confere à ordem
estadual e aos atos dos poderes públicos medida e forma.
Precisamente por isso, a lei constitucional não é apenas - como
sugeria a teoria tradicional do direito - uma simples lei incluída
no sistema ou no complexo-normativo estadual. Trata-se de uma
verdadeira ordenação normativa fundamental dotada de supremacia -
supremacia da constituição - e é nesta supremacia normativa da lei
constitucional que o "primado do direito" do Estado de
Direito encontra uma primeira e decisiva expressão" (Canotilho,
2003, pag. 245-246)
Os Direitos
Fundamentais nascente de toda uma base
antropológica-sociológica-histórica, das demandas inerentes à
própria condição humana, logo, provindas de condicionamentos
seculares que impediam o homem como ente jurídico (dotado de
direitos) e social (dotado de deveres) de exercer sua sua vida de
maneira plena, aquilo que denomina-se hodiernamente de "dignidade
da pessoa humana" que como princípio está enraizados nos
direitos fundamentais da Constituição do Estado de Direito,
regulando e dando ordem ao máximo de atos da vida civil dos povos
que constituem o Estado de maneira que assegurem sua dignidade.
A
este ultimo aspecto do Estado de Direito, a dignidade da pessoa
humana, daremos especial ênfase no que tratamos aqui, a
personalidade jurídica, em especial , quando a adquirimos, quando
nos tornamos sujeitos detentores de garantias. Minimamente, quando
nos tornamos pessoas. Inicialmente recorro a algumas teorias das
ciências biológicas sobre o momento que adquirimos vida, ou seja,
nos tornamos entes biológicos com capacidade de desenvolvimento
intelectual e social, pois, apesar de distinta do âmbito
jurídico-normativo, a ciência natural é fator de luz naquilo que
pretendemos alcançar que é o material que permeia a personalidade
jurídica no âmbito do reconhecimento pelo Estado que o
ente a partir daquele instante adquire o conjunto de princípios e
normas que garantam sua dignidade enquanto SER. Por questões óbvias,
enumero aqui as principais teorias:
O concepcionismo:
“Salienta-se que essa teoria além de ser defendida pela Igreja
Católica, é adotada pelo nosso ordenamento jurídico em
seu artigo 2º do Código Civil, que prescreve: “ A personalidade
civil da pessoa começa do nascimento com vida, mas a lei põe a
salvo, desde a concepção os direitos do nascituro”. Conclui-se
que nesta teoria o embrião humano é um indivíduo em
desenvolvimento, que merece o respeito e dignidade que é dado a todo
homem, a partir do momento da concepção.” (SOUZA, 2008, p. 4).
Aceita-se aqui a ideia de que a vida inicia-se no momento da
fecundação do espermatozoide no óvulo.
Teoria
da Nidação: “Defende que o embrião passaria a adquirir vida
com sua implantação no útero da mulher, antes apenas havia um
aglomerado de células que constituiria posteriormente os alicerces
do embrião, só com a implantação que as células podem ser
consideradas capazes de gerar um individuo distinto.( SOUZA, 2008, p.
5). 'Não seria viável falar de vida humana enquanto o blastócito
ainda não conseguiu a nidação, o que se daria somente no sétimo
dia, quando passa a ser alimentado pela mãe'.”(SCARPO, 1991, p.
42).
Corrente
Genético – Desenvolvimentista: “Para esta doutrina, no
início de seu desenvolvimento o ser humano passa por uma série de
fases: pré-embrião, embrião e feto. Sendo que, em cada fase o novo
ente em formação apresenta características diversas. Ao
contrário da teoria concepcionista, para esta teoria não haveria
vida humana desde a concepção e, portanto não teria o blastócito
caráter humano, o ser formado com a união dos gametas, logo no
início é comparável a um mero aglomerado celular.” ( SOUZA,
2008, p. 6).
Das
Primeiras Atividades Cerebrais: “Diante disso, se a vida acaba
quando o cérebro para, seria lícito supor que ela só começa
quando o cérebro se forma. Este é o pensamento dos defensores da
corrente das primeiras atividades cerebrais. Verifica-se, no
entanto, que se trata de uma teoria em potencial, já que
possui fundamentação científica, mas falta
provas de que ali já existe vida, e não seria a formação do
sistema nervoso mais uma etapa do desenvolvimento embrionário?
Salienta-se que o direito brasileiro adotou esse momento para
considerar alguém morto por motivação essencialmente
utilitária.” ( SOUZA, 2008, p. 7).
Da
Potencialidade Da Pessoa Humana: “Essa teoria classifica o
embrião como ser humano desde a concepção, porém não afasta a
ideia dele vir a se tornar humano, a corrente aponta ao embrião
desde o primeiro momento de sua existência uma autonomia que não é
“humana” nem “biológica”, e sim “embrionária”. As
propriedades características da pessoa humana, ou seja, todo o
material genético, já estão presentes no embrião, em estado de
latência. Diante dessa assertiva, o embrião considerado
como pessoa em potencial, necessita de amparo jurídico para que não
seja tratado como objeto, e que lhe assegure a vida e dignidade que
lhe são inerentes.” ( SOUZA, 2008, p. 7).
Corrente
Natalista: “Segundo essa teoria, a personalidade da pessoa tem
início a partir do nascimento com vida. O nascituro
seria um ser em potencial, pois para que tenha os direitos que
lhe são reservados ainda em sua existência intra-uterina, é
necessário que nasça com vida. O nascituro revela-se um ser
com expectativa de direitos. Para os natalistas, o
nascituro não é considerado pessoa, e apenas tem, desde
sua concepção, uma expectativa de direitos, tudo depende do seu
nascimento com vida.” ( SOUZA, 2008, p. 8).
Diante
de tantas proposituras sobre o que seria realmente o inicio da vida,
e no universo jurídico o ponto de referência para o inicio da
personalidade jurídica, constatamos (baseados no texto da lei que
discerne sobre o caso) que duas delas parecem estar mais presentes no
nosso ordenamento, a teoria concepcionista e a natalista pois as
mesmas, apesar de parecerem antagônicas estão fortemente
interligadas no artigo 2° do Código Civil brasileiro (lei
10.406/2002), então faz-se lógico nos enveredarmos por este
caminho mais detalhadamente. O texto da lei, inclusive, assim reza:
“A
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida;
mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do
nascituro.”
Opera-se
aqui uma dicotomia sobre quando a pessoa adquire direitos, já que ao
anunciar que a personalidade civil, logo sua carga protetiva no
âmbito da dignidade da pessoa humana humana, faz-se consistente à
pessoa física somente no nascimento com vida, o legislador incorreu
aparentemente à teoria natalista quando ao arguir que a vida é
produto do pós-parto, post utero, coloca o
leitor incauto no risco de incorrer ao erro de admitir que a vida do
que entendemos como “pessoa fisíca” que segundo Teixeira de
Freitas é o “ente de existência visível”, só se daria a
partir daí.
Nessa
linha de intelecção podemos lançar mão da fundamentação
extraordinária do grande jurista Eros Grau que afirma não existir
norma sem interpretação pois esta é fruto daquela, ou seja, nosso
sistema jurídico pode ser carregado de textos legais com escopo
normativo, mas a norma em si, só existe quando extraímos ela do
texto que estamos procurando interpretar no plano formal do direito,
ou seja, quando o cidadão apto de direitos (capacidade civil) invoca
a materialidade que aparentemente está presente no texto
adensando-se quando interpretada pelo operador em resposta
jurisdicional à pessoa que solicitou. Assim, podemos discernir duas
figuras lógicas e distintas na sentença apresentada na primeira
parte do texto normativo da lei 10.406/02 (em azul anteriormente):
- “personalidade civil” é diferente de capacidade civil, logo, o ente, mesmo detentor de personalidade, que é, segundo a imensa maioria das teorias civilistas a aptidão genérica de contrair obrigações e titularizar direitos, por questões óbvias (já que este está dentro do abdômen da mãe) não tem capacidade e neste caso sendo tutelado.
- “nascimento com vida” não nega a existência da vida intrauterina ou a possibilidade de vida do blastócito. A vida do embrião ou do nascituro deve ser assegurada ainda que estes não sejam consideradas pessoa humanas, de forma que podem sim desfrutar de direitos inerentes ao fato de serem possuidores de vida enquanto concretizada no que a ciência entende e detentores de expectativa de exercício de direitos (plano jurídico), logo, o Estado deve assegurar os direitos inerentes à vida destes entes no que lhes couber, vale lembrar que a vida que falamos é aquela genérica, a vida comum a todos os entes sencientes do planeta. Ressalto que Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) que é um tratado assinado por 24 países da América Latina no ano de 1969, dentre eles o Brasil e que estabeleceu diretrizes que reforçam o entendimento de que à partir da concepção o feto tem direitos humanos, reforçando o que dissemos anteriormente.
Ao afirmarmos que o Estado deve assegurar os direitos inerentes à vida do nascituro NO QUE LHE COUBER, materializamos a carga axiológica da segunda parte do dispositivo normativo (Art. 2°) da lei 10.406/02, que expõe:
“...mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”
É disso que se trata quando dissemos anteriormente que o entendimento jurídico brasileiro com relação à contração da vida pela pessoa humana parece fluir entre as teorias concepcionistas e natalistas pois ainda que a vida intrauterina não seja propriamente uma pessoa humana, ou detentora de capacidade de direitos, aquilo que lhe caiba deve ser assegurada como uma das funções do Estado brasileiro por razões lógicas e que na Carta Magna, através de seus princípios normativos programáticos e constitutivos o Estado brasileiro o faz ao inferir que este deve prezar por:
“Art. 1, ... III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 3º, ... IV - promover o bem de todos,...
Art. 4º,... II - prevalência dos direitos humanos;”
Acerta
o legislador ao dizer que a PERSONALIDADE CIVIL (e somente esta)
começa no nascimento com vida, e na segunda parte assegura direitos
ao nascituro NO QUE COUBER, haja visto que torna-se imprescindível
para qualquer ordenamento jurídico assegurar o direito à vida muito
além de mera demagogia legislativa, mas como princípio constitutivo
de qualquer sociedade ou comunidade humana, referenciando estas
proposituras como fundamentos supra-constitucionais de caráter
difuso, haja visto que a segurança da vida de qualquer ente
biológico está diretamente ligado à emancipação jurídica,
moral, cultural e além disso, entrando em questões antropológicas,
a própria finalidade de uma sociedade seria o de aumentar a
expectativa de vida dos seres que a compõe.
Todavia,
esta parte apesar de lógica guarda uma pergunta que assombra
qualquer pesquisador da assunto, admitindo-se que no ventre da mãe o
ente que se encontra tem vida, quando começa a vida? Qual o limiar,
o exato instante que essa aparece? Onde não há? Pois se o Estado
deve assegurar os direitos dos entes vivos, seria mesmo correto
afirmar que desde a concepção há vida, ou será que existe apenas
capacidade de vida?
Da Questão do Aborto
file:///C:/Users/GTA02/Downloads/15293-47093-1-PB.pdf
Da Questão do Aborto
Fontes:
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1027027/codigo-civil-lei-10406-02
http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/ETIC/article/viewFile/1863/1773
http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/1034025/constituicao-da-republica-federativa-do-brasil-1988
https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/download/15293/13896
file:///C:/Users/GTA02/Downloads/15293-47093-1-PB.pdf