Quando se começa a estudar uma língua
estrangeira, há sempre palavras que durante muitos anos continuam a ser um
mistério. Na língua russa, os mistérios são muitos.
Por: Cristina Mestre
Quando
já sabemos ler livros nesta língua, somos embalados pela sua musicalidade e
algumas palavras, significados, passam por nós sem que as consigamos “prender”.
Sendo ligeiramente familiares, sabemos mais ou menos como se utilizam, mas o
seu sentido profundo permanece desconhecido. Muitas vezes isso acontece quando
essas palavras descrevem coisas que nunca experimentámos, que só existem na
Rússia. Como entender algo em que nunca tocámos? Se na nossa língua não existe
nada parecido, como podemos chegar ao seu significado? A única forma de “chegar
lá” é pedir que alguém nos explique. Na língua russa há muitas palavras que é
difícil traduzir por não existirem equivalentes em português ou em outras
línguas. Estas são apenas algumas delas.
Toská – Esta é
tipicamente a palavra russa para a qual é difícil encontrar um equivalente no
inglês ou francês, embora no português seja bastante mais fácil porque temos a
nossa “saudade”, que os estrangeiros também não entendem muito bem. Mesmo
assim, toská é mais que saudade. Toská é melancolia, angústia, tédio, tristeza,
saudade e nostalgia – tudo isto numa só palavra. Toská é um substantivo
frequentemente utilizado na literatura russa para descrever a condição de
angustiante tristeza, de saudade dos que partem e não voltam. Toská po ródine
é, ao mesmo tempo, perda, nostalgia e saudade da Pátria.
Silovik – É uma palavra
relativamente recente, tendo surgido apenas nos anos 1990. Significa
“representante altamente colocado dos órgãos de Defesa e Segurança”, ou seja,
responsáveis militares, da polícia e dos serviços secretos, órgãos diretamente
dependentes do presidente do país. Refere-se tanto a um determinado responsável
destas áreas como a toda uma classe social, presente na governação do país, com
uma determinada ideologia (reforço do Estado, da lei e da ordem, etc.) Por
vezes, como camada social, é considerada oposta aos “liberais”,
“pró-ocidentais”. Curiosamente, esta palavra já entrou como estrangeirismo em
outras línguas, utilizando-se no jornalismo e na ciência política para
descrever os processos na Rússia atual, nomeadamente para designar os
representantes de forças políticas ligados aos serviços secretos.
Otkat – Esta é uma
palavra também recente, tendo surgido nos anos do “capitalismo selvagem” após o
fim da URSS. É jargão e significa o montante em dinheiro pago não oficialmente
pela empresa executora de um contrato a alguém da empresa contratante para que
esse contrato lhe seja atribuído. O otkat é pago secretamente a determinado
responsável, sem conhecimento da direção.
Propit – Este verbo,
muito sonoro e lacônico, consegue significar algo que em português só se
explica com muitas palavras: gastar tudo o que se tem em bebedeiras; beber
tanto que se fica sem nada; esbanjar tudo em bebida. Propit combina o verbo
“beber” (pit) com o prefixo pro muitas vezes adicionado à raiz das palavras
para indicar perda ou falha. Por exemplo, propit zarplatu (gastar todo o salário
em bebida), ou propit kvartiru (vender a casa e gastar todo o dinheiro em
bebedeiras). A palavra contém um sentido de excesso, de descomedimento, que nem
sempre está presente em outras línguas.
Zapoi – Este é um
substantivo da mesma “família” e que também não existe em outras línguas.
Significa bebedeira permanente durante vários dias. Digamos que não é apenas
beber em excesso mas beber em grandes quantidades (geralmente vodka) durante
vários dias seguidos. A palavra encontra-se frequentemente na literatura, quer
clássica quer moderna, para descrever um estado de descontrolo, de depressão e
quase inconsciência.
Vytrezvitel – Para terminar
o nosso tema “alcoólico”, temos esta palavra, cujo significado não é fácil de
transmitir em outras línguas. É um misto de hospital, albergue temporário e
esquadra de Polícia para quem é encontrado bêbado nas ruas. Aí, são prestados
cuidados de enfermagem, os policiais estabelecem a identidade do “usuário”, que
é detido no local até ficar sóbrio (geralmente no dia seguinte).No inverno,
quando as temperaturas negativas podem ser fatais para quem fica na rua, tais
estabelecimentos são mais que justificados.
Odnoliub – Esta palavra
é muito curiosa, por exprimir um conceito complexo de uma forma muito concisa.
Significa aquele que ama e é fiel toda a vida a um só amor. É a figura do homem
(ou da mulher) que se conserva fiel à pessoa amada, não obstante todas as
adversidades.
Listopad – Esta é uma
palavra com uma sonoridade e significado muito poéticos porque nos remete para
o outono e para as árvores que vão perdendo as folhas. Mas em português também
não existe uma palavra equivalente. Significa “queda das folhas”, leva-nos para
uma altura em que as árvores de outono, entre o vermelho, o laranja e o
castanho, se despem e as cores delas cobrem o solo. É um dos períodos mais
bonitos da Rússia. A palavra Listopad é nome de poemas, de letras de canções,
de filmes e até de um festival de cinema. Há uma outra palavra semelhante,
Snegopad (queda de neve), que significa não apenas que a neve cai mas que cai
em grande quantidade, quase sempre sem vento. Quem já experimentou passear na
Rússia sob a neve caindo sabe que esta é das experiências mais belas que pode
viver.
Moroz – Moroz
significa “frio” mas não é um frio qualquer, é um frio com temperaturas abaixo
de zero. Ela remete-nos para o típico inverno russo, para os abafos, os casacos
de peles, a neve brilhante, os dias ora cinzentos ora luminosos. A brisa é
cortante, faz-nos doer os olhos, só se anda na rua de luvas e gorro. Nestes
dias, dizemos que há moroz.
Prostor – Esta também é
uma palavra difícil de encontrar em outras línguas. Significa “grande espaço
aberto”, mas também “liberdade de caminhar” e “espaço ilimitado”. Prostor
remete-nos para a estepe russa, para os enormes espaços abertos e também para a
liberdade não limitada. É um conceito tanto físico quanto psicológico, no
sentido de que o espaço sem barreiras é a condição da liberdade interior e,
talvez por isso, por essa dualidade, muito usado na poesia.
Como
conclusão, diria que a língua é todo um universo em permanente exploração. Com
ela conhecemos novas realidades e, através dela, novas formas de olhar o mundo.
Fonte:
http://portuguese.ruvr.ru/2014_04_24/conheca-as-dez-palavras-russas-que-nao-existem-em-outras-linguas-5675/