O diretor do documentário "A Morte do Operário" (disponível na íntegra no final do artigo), o austríaco Michael Glawogger, segue as “mulas humanas” do vulcão indonésio Kawah Ijen, os trabalhadores do matadouro do mercado de carne de Port Harcourt (Nigéria), os desmontadores de petroleiros de Gaddani (Paquistão), os operários metalúrgicos chineses e mineiros clandestinos ucranianos para denunciar que os trabalhos mais miseráveis não desapareceram do planeta.
Durante a sua jornada, os trabalhadores do
matadouro arrastam pesadas cabeças de vaca pela lama para leva-las até à
fogueira, onde são cozidas para venda.
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“Uma das coisas mais tristes é que a única coisa que um homem
pode fazer durante oito horas, dia após dia, é trabalhar. Não se pode comer
durante oito horas, nem beber oito horas, nem fazer amor oito horas… A única
coisa que se pode fazer durante oito horas é trabalhar. E esse é o motivo pelo
qual o homem se torna tão desgraçado e infeliz a si mesmo e os demais”, dizia o
escritor norte-americano William Faulkner. É com essa reflexão que começa
“Workingman’s Death” (A Morte do Operário) - filme completo
com legendas no final do artigo -
, um impressionante documentário que percorre metade do mundo para denunciar a
existência de trabalhos miseráveis que, na sua face mais desumana, praticamente
desapareceram dos países ricos.
O
diretor do documentário, o austríaco Michael Glawogger, segue as “mulas
humanas” do vulcão indonésio Kawah Ijen, os trabalhadores do matadouro do
mercado de carne de Port Harcourt (Nigéria), os desmontadores de petroleiros de
Gaddani (Paquistão), os operários metalúrgicos chineses e mineiros clandestinos
ucranianos para denunciar que os trabalhos mais miseráveis não desapareceram do
planeta, apenas se tornaram invisíveis para os olhos dos cidadãos dos países
industrializados.
“O
trabalho pode ser muitas coisas. Com frequência mal é visível. Às vezes é
difícil de explicar. E, em muitos casos, impossível de retratar. Mas o duro
trabalho manual é visível, explicável e retratável. É por isso que com
frequência penso que é o único trabalho real”, opina Glawogger, que ganhou o
Prêmio Especial do Júri no Festival de Cinema de Gijón (Espanha)
por Workingman’s Death.
Conheça
as atividades denunciadas no documentário. Longe de acabar, elas continuam a
degradar a condição humana:
1. “Mula humana” no vulcão
Todos os
dias, por umas miseráveis moedas, dezenas de homens sobem ao vulcão indonésio
Kawah Ijen para, asfixiados por fumos tóxicos, arrancar enormes blocos de
enxofre das suas entranhas. Sobem ao vulcão entre cantos e tosses, mas descem
carregados como mulas, com mais de 100 quilos de mineral deformando às suas
costas. Numa cena do filme “Workingman’s Death”, um mineiro, possivelmente a
gozar, conta a outro como beijou uma mulher francesa que tinha acabado de
conhecer. “Eu estava com o nariz sujo por causa dos vapores do enxofre, mas ela
deixou-me beijá-la. Foi muito bom.” É cada vez maior o número de turistas que
vêm ao vulcão para tirar fotos ao lado das “mulas humanas”.
2. Trabalhador do matadouro numa
cidade petroleira
O nigeriano Isaac
Mohammed levanta-se todos os dias às cinco da manhã para ir ao matadouro da sua
cidade degolar cabras e vacas. Trabalha no mercado de carne de Port Harcourt,
uma cidade do delta do rio Níger na qual convivem a pobreza extrema com a
ostentação das petroleiras ocidentais, como a Shell. Durante a sua jornada, os
trabalhadores do matadouro arrastam pesadas cabeças de vaca pela lama para
leva-las até à fogueira, onde são cozidas para venda. E, no final do dia, se
não levaram uma chifrada de um bovino, muitos completam o seu miserável salário
com outros trabalhos, como conduzir um táxi-mota.
3. Desmontadores de navios
petroleiros
Muitos pastunes (etnia)
são pobres. Por isso acabam por procurar ganhar a vida em lugares como Gaddani,
um porto no Paquistão convertido em cemitério de barcos gigantescos. Em
Gaddani, milhares de trabalhadores desmontam cargueiros e petroleiros para
convertê-los em placas de aço. “Um passo em falso e é uma queda de 80 metros.
Ou te cai um pedaço de aço na cabeça. Ou o óleo e os gases residuais
incendeiam-te. Temos a morte sempre presente”, explica um trabalhador em
“Workingman’s Death”. Eles trabalham durante um ano e depois, com sorte,
poderão voltar durante um mês a casa. “O pagamento nunca foi suficiente, nem
antes nem agora”, lamenta um homem que trabalha na área desde 1991. “Alá
encomendou-nos esta tarefa”, proclama outro.
4. Metalúrgico na China
A província de
Liaoning, no nordeste da China, acolhe alguns dos maiores altos-fornos do país
e do mundo. Enquanto a Alemanha converte algumas das suas antigas fundições em
parques temáticos para crianças, como fez a cidade de Duisburg com as suas
gigantescas siderúrgicas em 1985, a China faz o movimento contrário e expande
os seus altos-fornos para fornecer ferro e aço ao mundo. Nas fundições, os
operários chineses trabalham de sol a sol em condições penosas, como faziam os
empregados de Duisburg há mais de meio século.
5. Mineiro na ratoeira nevada
“Temos sempre medo. Um
desmoronamento de 10 centímetros e é o fim. Não há forma de nos tirarem daqui”,
confessa um mineiro ilegal ucraniano no filme de Michael Glawoggfer. Junto com
outros companheiros da bacia de Donbass (região ucraniana), procura carvão em
filões aos quais os seus avós chamavam “ratoeiras”. Fora da mina, as mulheres
carregam o carvão no meio da neve, até duas toneladas por dia cada uma. Em
frente à câmara, os mineiros gozam com Aleksei Stajanov, o famoso mineiro
transformado em ídolo pela propaganda soviética em 1935, depois de extrair mais
de cem toneladas de carvão numa só jornada. “Nós não somos movidos pelo
entusiasmo. Aquilo foi uma palhaçada.”
Tradução: Simone Mateos, Revista Samuel
Artigo publicado em esmateria.com
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