terça-feira, 13 de maio de 2014

Relembrando Charles Bukowski por uma de suas namoradas



Por: Danny McDonald


Linda King e Charles Bukowski.
Linda King e Charles Bukowski.


Sim, ela disse, foi ela que ensinou Charles Bukowski a fazer sexo oral.

Linda King ainda se lembra da conversa: Bukowski disse que nunca tinha feito isso antes, porque ninguém nunca tinha pedido. Ela não acreditou.
“Espero que um homem faça por mim o que ele faria por ele”, disse a escultora de 73 anos.


Eu estava conversando pelo telefone com Linda, que saiu com o famoso poeta da sarjeta por vários anos na década de 1970. Eu queria saber se o homem famoso por sua prosa minimalista sobre se embriagar e transar era bom nas coisas sobre as quais ele escrevia.

“Ah, sim”, ela disse. “Ele era bom. Muito bom. Menos quando estava bêbado.”

Ele não bebia o tempo todo?

“Não, ele não ficava bêbado o tempo todo. Ele parou por dois meses uma vez. Achei ótimo. Mas ele não levou adiante.”

Bukowski não era o tipo de cara que você poderia chamar de ambicioso. Ele era, afinal de contas, o homem que construiu uma obra literária a partir de uma vida de ressacas, dinheiro perdido em corridas de cavalo e sexo sem proteção com um exército de mulheres, entre outras péssimas decisões. Ele raramente cortava o cabelo ou a barba e fez trabalhos braçais por décadas.

O crítico de cinema Roger Ebert o resumiu assim uma vez: “Há um milhão de caras que começam a beber para se tornar grandes escritores e um conseguiu. Agora, mais milhão de outros caras estão, provavelmente, bebendo e tentando entender como Bukowski conseguiu. Ele não é um sobrevivente. Ele é uma aberração estatística”.

Esse não é o perfil de um alpinista social. Mas Linda me disse que Bukowski era ambicioso. Ela lembra que ele trabalhava em sua escrita quase todas as noites. “Não acho que as pessoas percebam o quanto ele trabalhou nisso”, ela disse. “Ele costumava dizer que era o maior escritor de todos. Ele não tinha escrúpulos na hora de dizer às pessoas quem era o maior escritor; ele.”

O homem, que hoje é considerado um poeta laureado dos descontentes, morreu numa segunda-feira 20 anos atrás – no dia 9 de março de 1994. Alguns acadêmicos batizaram seu estilo de “realismo sujo”, que é só outro modo de dizer que sua escrita era marcada por minimalismo e vinhetas da vida da classe trabalhadora. Ele tinha o rosto todo marcado, pança de cerveja e um cabelo seboso, e ainda assim conseguia dormir com mulheres décadas mais jovens. Ele escreveu sobre esse sexo em termos brutais e detalhados: o formato das vaginas, descrições de sexo oral, resistindo, acariciando, pulsando. As evacuações pós e pré-coito. Se ele tinha ejaculado ou não.

Ele foi rotulado de misógino. Há casos em que Henry Chinaski, o protagonista de muitos de seus livros e uma espécie de substituto literário de Bukowski, estupra mulheres sem nenhuma repercussão. Mas quando você menciona o rótulo da misoginia para seus defensores, as coisas ficam estranhas. Linda rejeita a ideia de que Bukowski era um misógino, lembrando-se, momentos depois, de uma vez em que ele bateu nela, deixando-a com um olho roxo. Eles estavam voltando de uma luta de boxe, e estavam discutindo – o que não era normal – e ele estava extremamente bêbado, ela disse. Ele não se lembrou disso no dia seguinte. Foi a única vez que ele bateu nela, segundo Linda. Mas quando perguntei se Bukowski odiava mulheres, ela insistiu:

“Não.”

John Martin, que editou o trabalho de Bukowski por 40 anos, reconhecia que a obra do autor podia ser interpretada como misógina. Ele foi rápido em acrescentar: “Pessoalmente, ele tinha um respeito muito saudável pelas mulheres”. Então, ele me surpreendeu com essa explicação, que mina todo o mito de Bukowski: um homem que cutucou tudo o que era falso em seu mundo e que tem o amor de seus fãs exatamente por sua honestidade inflexível, ao que tudo indica, era um poser.



Nos anos 1970, quando Bukowski se tornou mais bem-sucedido, os retratos de comportamento misógino em seu trabalho “se tornaram mais uma pose do que uma convicção. Se você está dizendo alguma coisa e, de repente, as pessoas começam a falar de você por causa disso, você fica tentando a continuar dizendo as mesmas coisas”, disse Martin.


 Bukowski

O comportamento de Bukowski e a prosa que nasceu disso abriram caminho para a fama e fortuna. Matt Dillon e Mickey Rourke já retrataram Chinaski, seu alterego, no cinema. Bandas de rock fizeram músicas sobre ele. Existem bares com seu nome tanto na Costa Oeste como na Leste. Duas décadas depois de sua morte, ele continua firmemente gravado com o status de herói cult. As pessoas continuam atraídas por ele, porque Bukowski escreveu sobre amor e sexo de um jeito ao mesmo tempo engraçado e trágico, disse David Calonne – professor de literatura da Eastern Michigan University, que escreveu um livro sobre o autor.

“Ele não escrevia personagens”, disse Calonne. “Ele escrevia pequenas ninharias. Pedaços quebrados de pessoas que apenas seguem com suas vidas. Elas não são pessoas totalmente arredondadas, que se esforçam, pessoas atualizadas numa jornada junguiana pela totalidade. Elas são quebradas.”

Mulheres é um de seus trabalhos cheios de pessoas quebradas. John me disse que os detalhes do livro refletem o estilo de vida de Bukowski na época em que ele escreveu isso. O protagonista é o Chinaski e sua principal namorada ao longo de boa parte do livro é a Lydia Vance. Lydia é instável e irracional, e baseada em Linda King.

Linda conheceu Bukowski quando esculpia rostos de poetas, e disseram a ela que ele era o melhor poeta de Los Angeles. Ela pediu para esculpi-lo, ele concordou e eles continuaram se vendo depois disso. Pelo telefone, eu quis saber sobre quão precisas eram as partes específicas do relacionamento deles que estão destacadas no livro.

John tinha me alertado para desconfiar um pouco de tudo que Linda dissesse. Linda, afinal de contas, poderia ter se casado com Bukowski, mas ele acabou se casando com outra mulher chamada Linda.

“Ela podia ter se casado com um milionário”, disse John. “Isso não aconteceu. Então, naturalmente, há um certo desgosto e ciúme.”

Ainda assim, ela é a única pessoa que pode realmente comprovar todos os detalhes do relacionamento deles.

Sim, ela disse, eles trocaram o busto esculpido dele quando terminaram e depois quando voltaram, como no livro. Sim, ela subia nele e espremia suas espinhas, como Bukowski detalha em Mulheres. “Era uma coisa sexual, mais ou menos. Sabe, subir no corpo de alguém, essa coisa toda.”

Ela confirmou que tentou atropelá-lo com o carro uma vez. Ela também jogou uma garrafa de cerveja pela janela dele. Sim, ele pensou que ela flertava com todo mundo – um agravante para os dois. “Sempre pensei que ele tinha falta de confiança. Ele era um homem realmente bonito e tinha muito sucesso com as mulheres, acho que ele nunca pensava nisso. Eu era um pouco de flertar, é possível, mas não na extensão que ele imaginava.”
Não, ela disse, ela não precisava transar cinco vezes por semana. “Isso é exagero.”

King não fica muito feliz com sua representação no livro e me disse que Bukowski minimizou seus próprios sentimentos em relação a ela no romance. Ela disse que ele estava puto com ela quando escreveu o livro. “Foi como se ele quisesse acabar comigo para o mundo todo, e foi isso que ele fez”, ela disse.

Faz 36 anos desde que o relacionamento de Linda e Bukowski foi desnudado em Mulheres. Nessas duas décadas desde sua morte, a obra de Bukowski foi esmiuçada à náusea, então, não precisei insistir em pontos antigos. Por fim, pedi a Linda que me contasse algo sobre Bukowski que me surpreendesse.



“Uma vez mencionei que a camisa dele era nova e ele ficou vermelho”, ela disse. “Muita gente não pensaria que Bukowski fosse de ruborizar.”









Fonte: http://www.vice.com/pt_br/read/relembrando-charles-bukowski-atraves-de-uma-de-suas-namoradas